É com essa frase dita pela médica psiquiatra Nise da Silveira que damos início a este texto. Esta escolha não se deve apenas pelo papel que ela desempenhou dentro do cenário da saúde mental do Brasil, mas também pelo fato de que a data de hoje exige um pouco de tudo isso de cada um de nós.
No dia 18 de maio é celebrado o dia nacional da luta antimanicomial. Essa data não é importante apenas para nós, que estamos dentro do campo da psicologia, mas para toda a sociedade. Afinal, é nela que estão os agentes, os fatores e principalmente as vítimas da estigmatização causada pela ideia de loucura muito disseminada nos séculos passados.
Mas antes de falarmos mais sobre a luta antimanicomial, é importante entender como ela surgiu e por que é tão importante falar sobre isso:
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A luta que surge da ferida
Segundo o dicionário, estigma é uma marca deixada por uma cicatriz, mas é também um sinal natural do corpo. A grande ferida da separação e desumanização infelizmente ainda está presente em forma de cicatriz quando não levamos a sério o debate sobre a importância da saúde mental ou diminuímos as dores de quem sofre.
Falar sobre o direito das pessoas em sofrimento mental é zelar pelo cuidado de pacientes, pelo reconhecimento de dignidade e principalmente pela humanização da prática clínica.
No entanto, isso nem sempre foi assim.
[tie_index]Um capítulo sombrio [/tie_index]
Um capítulo sombrio
O tempo mostra um capítulo da história brasileira conhecido como “Holocausto Brasileiro”. O cenário foi um hospital psiquiátrico em Barbacena, o qual escancarava uma realidade de superlotação e condições sub-humanas de tratamento.
Alguns relatos apontam que cerca de 70% das pessoas que foram internadas não eram diagnosticadas com qualquer transtorno mental e que cerca de 60.000 pessoas morreram internadas nesse hospital. Nesses centros eram realizados procedimentos violentos a fim de conter os sintomas tais como tratamentos com eletrochoque e também lobotomia.
O local era um reflexo do pensamento vigente na época, pautado pela estigmatização e categorização entre o normal e o patológico. Ou seja, entendia-se que aquelas pessoas que não se encaixavam dentro do que era considerado “normal”, deveriam ser segregadas, tendo o seu convívio social bloqueado.
Um bom exemplo que espelha bem essa dicotomia é a obra “O Alienista” de Machado de Assis, conto literário que narra a dificuldade de um psiquiatra em definir essa tênue linha entre normal e patológico até o ponto dele se questionar se ele mesmo não era o louco da cidade.
[tie_index]Um respiro de consciência [/tie_index]
Um respiro de consciência
Essas práticas só́ foram cessadas nos anos 80 com a reforma psiquiátrica, que tinha o intuito de formular uma lei para humanizar os tratamentos e cujo lema era “para uma sociedade sem manicômios”.
A partir daí, várias medidas foram adotadas e uma das figuras mais importantes nesse cenário foi justamente a Nise da Silveira, que deu início ao nosso texto.
Ela começou a questionar as práticas violentas que eram exercidas no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro e em outros hospitais. Sendo a única mulher naquele lugar, ela ousou nos anos 40 questionar a prática clínica e por meio de uma verdadeira revolução no tratamento dos pacientes, que foram reconhecidos como seres humanos, revestidos de vontades, desejos e sentimentos.
Seus estudos foram ainda implementados pela psicologia analítica, já que, por meio de cartas trocadas com Jung, ela absorveu o uso da arte e da criatividade como partes integrantes dos tratamentos dos internos.
As pinturas e esculturas produzidas são expostas até hoje no Museo do Inconsciente, no Rio de Janeiro, marcando um capítulo revitalizador da saúde mental no Brasil.
[tie_index]Repensando a clínica hoje [/tie_index]
Repensando a clínica hoje
Felizmente, hoje refletimos mais sobre a condição de internação dos pacientes e oferecemos redes de apoio fundamentais como as residências terapêuticas que têm como função principal a reinserção social de pessoas que já passaram por um tratamento psiquiátrico.
A psicologia está deixando de ser considerada a ciência dos loucos e passando a ser compreendida por muitos como uma prática cientifica que auxilia na resolução de conflitos, autoconhecimento e na manutenção da qualidade de vida.
A ferida ainda está aqui, pulsando, mas aos poucos vamos entendendo que precisamos lembrar dos nossos erros para que eles não sejam repetidos, e que precisamos ter coragem para nadar contra a corrente e fortalecer a nossa missão como psicólogos de cuidar e reconhecer o outro como ser humano.
Lara Camino Meloni
Psicóloga e Redatora da Psicologia Viva
CRP: 06/178563