[tie_index]Setembro Amarelo: O que diz a campanha[/tie_index]
Setembro Amarelo: O que diz a campanha
A Associação Brasileira de Psiquiatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina organiza nacionalmente desde 2014 a Campanha Setembro Amarelo. Esta Campanha tem como objetivo prevenir e reduzir os números de suicídio em nosso país, que não são poucos.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, divulgado em julho de 2021 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que o número de suicídios no Brasil em 2020 foi de 12.895, com variação de apenas 0,4% em relação a 2019. Cabe ressaltar que existem vários fatores que estão envolvidos com o “ato suicida”, ou seja, o suicídio é multifatorial e quando se pensa em um contexto como a pandemia atualmente, não se deve adquirir crenças de que o suicídio aumentou por conta da pandemia.
Em um primeiro momento, é importante enfatizar que falar de suicídio implica falar de um sofrimento existencial intenso, onde por muitas vezes a pessoa que quer cometer o suicídio não quer acabar com sua vida, mas sim com aquela forma de vida, com o modo de vida atual. Isto deve ser levado em conta, pois cada pessoa tem sua singularidade e funcionamento, e também pode em algum momento:
“achar que não dá mais”,
“achar que pôr fim à sua vida seria a única saída de uma situação que para ela não tem solução ou de uma situação que realmente é muito dolorosa e difícil de ser elaborada e assimilada por ela agora”.
A Campanha Setembro Amarelo é muito significativa, pois trabalha também com a conscientização da população de um problema muito grave, buscando formas de evitá-lo. Cabe destacar que algumas pessoas ainda pensam que quando alguém diz que quer tirar a própria vida está apenas querendo “chamar atenção”.
Porém, quero contribuir hoje com este texto colocando alguns pontos importantes que precisam ser observados quando se pensa neste tema. Devemos estar atentos aos sinais ou sintomas de pessoas que realmente pensam em cometer o ato suicida. Sempre é importante deixar claro que cada pessoa é única, que cada um tem sua história e que não existe uma “lista pronta” de atitudes que darão a certeza que estamos diante de uma pessoa com comportamento suicida.
Mas sim, podemos estar atentos diante de alguns pontos que serão elencados mais à frente, no intuito de ajudar na prevenção de tal ato e também de acolher a pessoa em tão grande sofrimento existencial.
Pontos importantes em relação ao suicídio
Alguns pontos importantes podem ser elencados agora quando nos questionamos: “ Como identificar se uma pessoa está em risco de cometer suicídio?”
Estes pontos são os seguintes:
* ALIMENTAÇÃO E SONO: A pessoa em risco de suicídio pode apresentar insônia ou dormir em excesso (o que pode ter a ver com o desinteresse pela vida atual e com a falta de motivação). Ela pode também perder o apetite ou se alimentar de maneira “compulsiva”, onde neste último caso não busca o alimento por fome ou necessidade, mas muitas vezes por ansiedade e um comportamento compulsivo não esclarecido pra ela. É importante estar atento se a pessoa encontra-se adoecida no momento, como por exemplo, se ela apresenta crises de depressão ou de ansiedade.
* ATENÇÃO/CONCENTRAÇÃO: O indivíduo pode apresentar desatenção ou ter dificuldade de concentração em suas atividades cotidianas. Também pode ser percebido um “desinteresse” em relações interpessoais, quando a pessoa parece, por exemplo, “estar longe” ou “aérea” no contato com os demais. Outro exemplo é a queda da produtividade no trabalho.
* MOTIVAÇÃO: As pessoas que convivem com outra que está em risco de suicídio podem perceber que a motivação dela “não está mais a mesma”. É como se ela não sentisse mais o mesmo “sabor” pelas atividades de antes. Por vezes, a pessoa pode evitar contatos, não frequentando mais os lugares que frequentava. Pode também apresentar uma queda em sua produtividade profissional e falta de motivação para os estudos. Ela pode muitas vezes dá a “desculpa” de que não está com vontade e que prefere ficar em casa.
*AUTOCUIDADO E AUTOCONFIANÇA: Geralmente a pessoa não se mobiliza para o próprio bem-estar. Não busca situações de bem-estar pessoal. A autoconfiança também pode estar comprometida, tendo em vista que a pessoa pode não se perceber como alguém que pode superar a situação-problema que vive, “que não há uma saída”, que para ela a única saída que a livra da dor e do sofrimento intenso é a morte.
*FALTA DE ESPERANÇA: É comum a pessoa ter a sensação de “falta de esperança” em suas experiências, especialmente se está passando por um problema que considera muito difícil de resolver e muito doloroso para ela.
*SEXUALIDADE: A pessoa pode apresentar intensidade na procura por sexo, não vivenciando sua sexualidade de forma equilibrada para ela e também, por vezes, não a vivendo de forma prazerosa.
*ANEDONIA: Consiste na incapacidade de sentir prazer em atividades normalmente agradáveis. A anedonia é muito comum em episódios depressivos e também pessoas com pensamentos suicidas podem apresentar uma intensa falta de prazer de forma geral.
Além destes pontos elencados, deve-se enfatizar a importância do DIÁLOGO e do ACOLHIMENTO perante uma pessoa que se percebe que está querendo se suicidar. Os amigos e familiares são importantes ao mostrarem COMPREENSÃO e APOIO diante do sofrimento existencial intenso que a pessoa está vivenciando. A ESCUTA e o APOIO são elementos necessários para uma pessoa com uma dor tão difícil de ser descrita.
O suicídio na visão da Gestal-terapia
A Gestalt-terapia compreende o suicídio como um ajustamento criativo disfuncional, como ações autoreguladores, onde para a pessoa o ato suicida é a única forma no momento que ela tem de lidar com a situação atual.
O suicídio é visto como multicausal, devendo-se considerar fatores psicológicos, psiquiátricos, econômicos, culturais e religiosos, dentre outros. A Gestalt-terapia é uma Abordagem que trabalha o conflito do indivíduo como um distúrbio do campo, não esperando a remoção deste, mas, sim, o crescimento do indivíduo diante de sua dificuldade.
Como diz Perls, Hefferline & Goodman, 1951/1997, p.164: “O conflito é uma colaboração que vai além do que se pretende, em direção a uma figura inteiramente nova”.
O indivíduo quando pensa em cometer suicídio tem um sentimento de impotência para enfrentar a situação, sendo a escolha de “se matar” a única vista no momento em sua existência. Porém, a Gestalt-terapia trabalha com ampliação de awareness (tomada de consciência), buscando também que a pessoa encontre formas mais saudáveis em seus contatos e de lidar com as situações.
Ao trabalhar com o todo, pode-se perceber que a pessoa com comportamento suicida encontra-se de certa forma, reduzida em sua percepção, bem como com atitudes enrijecidas diante de seu conflito. Cabendo ao psicoterapeuta trabalhar no intuito de o cliente ampliar a awareness de novas possibilidades e soluções, acolhendo sua dor e apoiando-o em um processo tão doloroso como este.
[tie_index]Como a psicoterapia pode ajudar?[/tie_index]
Como a psicoterapia pode ajudar?
Em Gestalt-terapia, o terapeuta deve estar atento às crenças e sentimentos relacionados ao suicídio, tentar, junto com o cliente, descobrir potencialidades e quais as maiores dificuldades que ele tem no momento. Deve também explorar os pensamentos e sentimentos para que a pessoa possa comunicar o que precisa. Pode-se dizer que para Perls, Hefferline e Goodman (1997, p.89) o objetivo da terapia é superar a solidão, restaurar a autoestima e realizar a comunicação sintáxica.
Deve-se trabalhar em parceria com outros profissionais, como psiquiatra, no intuito de evitar novas tentativas de suicídio e também de ajudar no acompanhamento e apoio ao cliente. É importante contar com a rede de apoio do cliente, com familiares e amigos, para que possam estar abertos a acolher, compreender e escutar a pessoa.
O terapeuta deve tentar identificar por qual situação ou conflito o suicídio está sendo visto como solução para aquele cliente, também deve estar preparado para trabalhar com questões existenciais como: falta de sentido, solidão, sofrimento, angústia, dentre outros. O indivíduo que pensa em se matar pode estar também não suportando mais viver desta maneira, querendo acabar com o sofrimento a qualquer custo, vendo apenas uma parte da situação, encontrado-se com comportamentos cristalizados e desatualizados em suas vivências.
É de suma importância fazer um trabalho de fornecimento de recursos ao cliente. Pode-se trabalhar com ele no sentido de manter a esperança. Um exemplo seria trabalhar com ele como ele vê seus sintomas e o problema que está vivenciando. Aqui a pessoa pode reformular seus sintomas, no intuito de perceber que estes carregam uma mensagem e tentar compreender esta mensagem e como a percebem, podendo ressignificar, o que o ajuda a fortalecer uma atitude esperançosa.
O terapeuta também pode convidar esse cliente a olhar os recursos e qualidades que ele tem, tentando, junto com ele, identificar novas possibilidades.
Por fim, cabe destacar que cada caso é único e demanda uma postura e atitude de acordo com a demanda trazida pelo cliente. Além do preparo profissional, o terapeuta deve estar pronto para acolher, apoiar e buscar também novas possibilidades que cada situação exige. Deve estar aberto a buscar outros profissionais que possam contribuir e buscar a ajuda de familiares e da rede de apoio do cliente.
Referencias bibliográficas
- Técnicas em Gestalt: aconselhamento e psicoterapia/Phil Joyce, Charlotte Sills; tradução de Vera Joscelyne.-Petrópolis: Vozes, 2016.
- Fukumitsu, K. O. (2011).Suicídio e Gestalt-terapia. São Paulo: Editora Digital Publish & Print.
- Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1997). Gestaltterapia. São Paulo, SP: Summus.