O que é?
Imagine uma pessoa que está bastante animada e motivada em exercer várias de suas atividades, que se sinta especialmente bem, que se percebe como comunicativa, extrovertida e capaz, mas que, como num passe de mágica, passa a se sentir desanimada, triste, incapaz de realizar mesmo as coisas mais simples do dia a dia e com um conceito muito ruim sobre si mesmo. Assim funciona a mente e o comportamento do ciclotímico.
A ciclotimia é um transtorno de humor caracterizado por oscilações do estado emocional que “sobe e desce”, levando o sujeito a experimentar leve euforia e leve depressão.
Você deve estar se perguntando se isso não seria um transtorno bipolar, já que a pessoa vai de um polo a outro. Na verdade é bem por aí, com a diferença que na ciclotimia os sintomas são mais leves, mais sutis, porém não sem prejuízos na vida da pessoa acometida.
Principais sintomas e características
Esse transtorno costuma surgir na adolescência ou início da vida adulta e está relacionado ao temperamento do sujeito. O temperamento é a manifestação da porção genética das nossas características comportamentais e de humor.
Somando-se a essa tendência pessoal, pode haver gatilhos psicossociais envolvidos, como conflitos existenciais e dificuldades de adaptação e enfrentamento a mudanças de vida. Também costuma ser mais comum em famílias que apresentam outros transtornos de humor, especialmente o do tipo bipolar.
Os sintomas oscilam entre episódios de hipomania e depressão leve num curso de pelo menos 2 anos:
Quando a pessoa se encontra num estado de hipomania (euforia leve) ela tem uma sensação de excitação, agitação e muita energia. Ela acredita que será capaz de realizar de tudo um pouco, pois se sente mais motivada que o habitual e com uma auto estima bastante elevada. Entretanto, apresenta certa irritabilidade que pode levar a explosões e confrontos pessoais desnecessários.
Nesse período há alterações da fala e pensamento: a pessoa fica mais prolixa, com uma maior necessidade de se expressar, entretanto, as ideias podem escapar, saltando de um assunto a outro sem nenhum critério. Em virtude dessa agitação psicomotora, não consegue permanecer numa única atividade já que sua atenção, em vez de focada, se distrai facilmente.
Tais sintomas costumam ter curta duração, em seguida, toda essa constelação de sintomas começa a decair. O humor, então, passa a ficar deprimido e a hipomania dá lugar a sentimentos de culpa e vergonha, perda de energia e auto depreciação.
O pensamento se torna lento e as ideias fogem; fica difícil concatenar as ideias e se expressar, como se fosse difícil acessar a memória.
Existe a possibilidade, inclusive, de ideação suicida, já que nesse período a pessoa apresenta uma descrença nas suas potencialidades, já não conseguindo visualizar adequadamente suas próprias capacidades.
Difícil diagnóstico
Uma pergunta recorrente sobre esse tema é: Como saber se esse não seria um estado “normal” da pessoa, já que ela apresenta momentos de boa produtividade?
Especialmente porque as pessoas de fora percebem claramente essas oscilações, relatando um período em que a pessoa se encontra “moderada” ou mais “equilibrada” e períodos quando sobe ou desce a montanha russa! O próprio paciente não costuma percebê-las, ele experimenta os prejuízos das suas oscilações geralmente sem se dar conta delas!
O diagnóstico pode ser difícil justamente porque o paciente relata experimentar uma sensação incomum de bem estar e produtividade nos períodos de hipomania. Além disso, os episódios depressivos podem não ser tão sindrômicos, sendo leves demais para que a pessoa tenha uma clareza sobre o que sente. Por conta disso, pode acontecer uma demora em iniciar um tratamento adequado o que cronifica o transtorno.
Prejuízos na vida
É possível que você ainda esteja se perguntando se esses episódios de hipomania sejam positivos e então que, afinal de contas, o transtorno não seja assim tão ruim. E a resposta é que, a longo prazo, pode ser bastante prejudicial já que essa sensação de alta produtividade é interrompida, muitas vezes, por episódios que podem chegar a completa inatividade.
Imagine o prejuízo social que um ciclotímico acaba sofrendo: ele apresentará dificuldades em manter relacionamentos duradouros, já que pode parecer imprevisível no seu círculo social; pode saltar de um relacionamento amoroso a outro.
Já que os episódios de hipomania podem gerar um interesse sexual exacerbado e um narcisismo que instiga o sujeito a encontros sexuais; as mudanças cíclicas de humor podem levar a pessoa a ser taxada como alguém não confiável, já que pode se engajar demais numa tarefa e num momento posterior abandoná-la completamente.
Além disso, o transtorno tende a ser crônico e associado a alterações significativas no padrão do sono, intercalando noites em que não sente necessidade de dormir com períodos em que deseja não sair mais da cama.
A diferença entre a ciclotimia e um transtorno bipolar se dá na duração e intensidade dos sintomas, que na bipolaridade pode levar ao suicídio ou ao surto psicótico (a depender do tipo).
Tratamento
O transtorno ciclotímico não tem “cura” já que ele faz parte de um modo de ser, da forma como o sujeito consegue se relacionar no mundo e está relacionado com características genéticas.
Entretanto, é perfeitamente possível controlar os sintomas e estabilizar o humor com medicamentos adequados, entre eles o carbonato de lítio e a lamotrigina, que seriam receitados preferencialmente por um psiquiatra.
A psicoterapia tem um papel fundamental já que auxilia o sujeito a lidar com suas fases, a se aceitar, a prever situações que possam deflagrar sintomas, a modular suas reações e a reconhecer aspectos de seu mundo interior.
A psicoeducação de familiares também tem bastante utilidade, já que esclarece as pessoas ao redor em como lidar com o paciente, evitando rótulos, julgamentos, comentários desnecessários ou atitudes que pouco ajudariam o ciclotímico.
É muito importante que a pessoa acometida se abra para o tratamento, seja o medicamentoso, seja psicológico, e o inicie o quanto antes, uma vez que a ciclotimia, quando não tratada corretamente, pode se agravar o suficiente para ser rediagnosticada como uma depressão bipolar franca.