É comum ouvir alguém em uma turma de psicologia afirmar que sua motivação para entrar no curso era se entender melhor, e, apesar de ser uma colocação simples, já pensou no que isso necessariamente pode implicar?
Afinal, qual o vínculo com a psicologia que o aluno deseja formar, de análise ou autoanálise? Por vezes é comum encontrar situações em que pessoas procuram o curso de psicologia como um substituto na busca de um atendimento próprio.
Esse passo inicial não é necessariamente ruim, o intuito não é esvaziar o sentido que muitos buscam no estudo e compreensão da psicologia e em sua atuação, Mas sim de chamar a atenção para uma forma correta em que profissionais e estudantes lembrem-se que precisamos lidar com nossos próprios questionamentos.
É necessário estar atento para perceber que há momentos em que as questões do sujeito em atendimento podem gerar mal-estar no próprio terapeuta, isso se deve ao fato de existirem questões mal resolvidas que encontraram ressonância no material psíquico que foi acolhido.
Na psicanálise, Freud chamou esse fenômeno de contratransferência, e o que seria exatamente isso? Para isso podemos resumir brevemente também o conceito do que seria a transferência.
[tie_index]Transferência e contratransferência[/tie_index]
Transferência e contratransferência
Transferência é a energia psíquica e fantasias que o sujeito projeta no terapeuta durante a terapia, é a forma que ele vê e como seus sentimentos são direcionados, havendo uma variação de manifestações entre amor e ódio justamente por ser tratarem de um direcionamento de sentimentos e impressões de figuras que marcaram a vida do paciente.
Faz parte do manejo clínico saber lidar e usar essa força de forma construtiva para a terapia e conscientizar o mesmo da natureza de suas projeções
Contudo, não é apenas o sujeito em terapia que tem de lidar com os próprios sentimentos, também cabe ao terapeuta se responsabilizar por suas ações e reações, é o que é chamado de contratransferência, que é como o terapeuta recepciona e se comporta diante do material psíquico do sujeito que acompanha, aquilo que sente e como lida com aquilo que percebeu em si mesmo quando entrou em contato com o outro.
Veja que, por tratar de situações em que o comportamento do sujeito na clínica pode trazer materiais psíquicos muito densos, como a projeção de sentimentos antigos com amor, ódio, sexualidade, etc., é muito importante que o terapeuta se encontre bem resolvido para manejar com qualidade e sem danos esses assuntos tão complexos, mas que muitas vezes podem revelar aspectos importantes para o progresso do trabalho clínico.
[tie_index]Curso de psicologia x atendimento psicológico [/tie_index]
Curso de psicologia x atendimento psicológico
Trazendo esses aspectos fica claro a necessidade de diferenciar a formação em psicologia do atendimento psicológico. Estudar e compreender a teoria não torna o estudante e o profissional sadios psicologicamente.
É interessante diferenciar a busca de cura do aprendizado, ambas são produtivas e positivas, mas necessário que não estejam confundidas.
Essa reflexão também serve para deixar claro que até em pequenos movimentos como a escolha de um curso podemos estar falando muito mais de nós mesmos que imaginamos, um positivo sinal de alerta para o quão profundo e delicado é o trabalho psicológico.
Afinal, como lida o profissional que maneja questões psíquicas, enquanto ele também está imerso em suas próprias questões? Faz parte daquele que busca se capacitar para trabalhar com a psicologia ter em mente a consciência dos seus próprios atravessamentos, a fim de que saiba lidar com eles e possa transitar com qualidade em meio a tantos desdobramentos que os campos da psicologia oferecem.
Para tanto é necessário o acompanhamento psicológico, isso permiti que o terapeuta esteja atualizado com em suas próprias questões e à mão de uma das ferramentas necessárias para um exemplar manejo com a psicologia. Fazer isso permite que em sua atuação esteja mais atenta ao paciente e não às impressões afetivas que ele mesmo gerou.
Não apenas na clínica é necessário o acompanhamento psicológico, mas em outros campos de atuação se torna muito produtivo participar desse processo, veja que em dinâmicas de grupo, trabalho social, análise de testes e perícia jurídica, por exemplo, também são espaços de contato com questões psíquicas que podem gerar sentimentos no psicólogo que podem comprometer sua atuação.
[tie_index]Empatia x indiferença[/tie_index]
Empatia x indiferença
É interessante lembrar que o processo de aprender a lidarmos com nossos sentimentos para o trabalho psicológico não é necessariamente tornarmo-nos profissionais indiferentes ao que aparece à nossa frente. Faz parte da atuação estarmos abertos e atentos ao que surge, se estivermos completamente fechados e indiferentes, como será possível perceber o outro?
Justamente por necessitar do contato de nossa sensibilidade e empatia com o outro, que precisamos estar equilibrados com nossas próprias questões.
[tie_index]Concluindo[/tie_index]
Concluindo
Como dito no início de nossa conversa, a ideia não é desiludir aqueles que buscaram a psicologia com essa intenção, mas orientar para uma forma de atualizar seu caminho onde o futuro poderá ser ainda mais produtivo.
Então, se você chegou até aqui e se identificou com o tema, não desanime, afinal, faz parte do trabalho com a psicologia estarmos encarando e entendendo nossas próprias implicações para podermos ajudar aos outros, não?
Aqui também está um convite aos profissionais que ainda não se propuseram a passar pelo acompanhamento, para nós há outras tantas camadas de reflexões, como por exemplo, sentir como é estar do outro lado, como são as teorias da psicologia na prática, como é realmente a abordagem que temos afinidade, faz parte se colocar no lugar de quem passa por um acompanhamento.
Por fim, ficando clara a importância de observar e entender seus próprios sentimentos, dentro e fora de sua atuação profissional.
Então, que esse texto possa ter ajudado a ver um pouco de um aspecto que muitas vezes no trabalho psicológico não é percebido, muitas vezes por nos encontrarmos imersos em diversas teorias que explicam quase tudo em nossa mente, ou seja, a importância da atenção que precisamos ter para a nossa própria saúde mental, detalhe muito interessante para nos capacitar a cuidar da saúde mental de outras pessoas.
Que você encontre aqui um estímulo positivo para o aperfeiçoamento.
Referências:
SAKAMOTO, Cleusa. Clínica psicológica: O manejo do setting e o potencial criativo. Bol.psicol, São Paulo, ano 2011, v. 61, n. 135, jul. 2011.
ZAMBELLI, Cássio; TAFURI, Maria; VIANA, Terezi; LAZZARINI, Eliana. Sobre o conceito de contratransferência em Freud, Ferenczi e Heimann. Psico. Clin., Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 1-11, 1 jun. 2013.